"Um homem que dorme tem em círculo à sua volta o fio das horas, a ordem dos anos e dos mundos. Consulta-os instintivamente ao acordar, e neles lê num segundo o ponto da terra que ocupa, o tempo que decorreu até ao seu despertar; mas as respectivas linhas podem misturar-se, quebrar-se." Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido
terça-feira, fevereiro 13, 2007
Silêncio - no hay banda...
Ouço e volto a ouvir. Quero perceber que não há banda presente, e no entanto o silêncio apodera-se da sala, sem que faça pressentir qualquer tipo de embaraço. O filme é enigmático, sem história aparente, mas a música magistral. "E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim!"
Glenn Gould : Bach - Keyboard Concerto No.1 D minor BWV 1052
Depois de um dia intenso de pesquisa - um bálsamo para os ouvidos cansados... Guilherme Oliveira Martins | segunda-feira, fevereiro 12, 2007 | |
quarta-feira, janeiro 11, 2006
O IMPECÁVEL
Missa do 7.º dia
Os seus colaboradores, profundamente sensibilizados, agradecem todas as manifestações de pesar e solidariedade dos seus fiéis leitores e convidam a participar na evocação que terá lugar na Igreja do Campo Grande, às 19h00.
O Tribunal da Relação de Lisboa afirmou num Acórdão, c-o-m t-o-d-a-s a-s l-e-t-r-a-s, que o Ministério Público fez uma «tentativa grosseira de manipulação de depoimentos».
Falando um pouco mais a sério: a circunstância de as opiniões se formarem antes mesmo de se apurarem com rigor os factos que as deveriam moldar demonstra bem a indolência da nossa sociedade. Ninguém quer saber da Verdade. As pessoas só querem ter certezas. A certeza não coincidir com a Verdade – eis um problema que só vagamente nos deve preocupar.
Extraordinário País o nosso, que tanto conhece de França. Tanto político, jornalista e comentador que, afinal e a julgar pela certeza com que falam, conhece intimamente os guetos de Paris. Eles adivinhavam o que agora se passa diante dos nossos olhos. Eles sabem o porquê dos motins; eles trocam teorias explicativas e causas justificativas.
De resto, verifica-se com satisfação que eles não precisam de muita informação para sintetizar e compreender, em meia dúzia de conceitos, tudo o que por lá se passou e se passa: bastam uns quantos factos para actualizar as suas ideias e para pôr as nossas em ordem. Com efeito, ainda não foi feito um levantamento dos factos no terreno e já a opinião portuguesa tem sólidas ilacções a extrair: ainda não se apurou, mesmo lá, a precisa identidade dos agentes da violência, mas a opinião portuguesa já sabe com rigor quem eles são; ainda não se depreende, in loco, que elemento permite agregar uma mole heterogénea de ódio, mas a opinião portuguesa já sabe a natureza dessa argamassa; ainda não se descortinuou, por lá, o ambiente em que cada um dos revoltados vive, mas já a opinião portuguesa sabe o que os move; ainda não se sabe se o movimento tem pretensões políticas, mas já a opinião portuguesa determina o que deve mudar no governo francês; ainda não se conhece a relação entre os motins ocorridos nas várias cidades - e nos vários países -, mas a opinião portuguesa já explica o contágio pelo comportamento mimético (sic).
Uma mente menos piedosa poderia dizer que estas opiniões debitadas como postulados matemáticos são, afinal, apenas visões meramente aproximativas da realidade. Que se fundam em mal lambidas crónicas alheias, em fugazes olhadelas em noticiários internacionais ou em enraízados preconceitos e concepções pessoais. Que essas opiniões seriam o mero eco de superficialidades de terceiros, uma repetição de inúteis lugares-comuns, um conjunto de juízos levianos, o resultado de conclusões precipitadas, o produto de profissões de fé. Mas, repito, isso seria uma apreciação pouco caridosa.
Tempos houve em que a ciência seguia o método científico, analisando o fenómeno para poder explicar o fenómeno. Mas isso, claro, foi antes da intelectualidade portuguesa.
Em 25 de Fevereiro de 2004 e a propósito da política seguida em França relativamente à laicidade e à inclusão das comunidades muçulmanas no seu tecido social, escrevi o seguinte no Peço a Palavra:
«Esta lei [Lei do Véu] determinará a criação, na sociedade francesa, de uma multiplicidade de muros segregacionistas idênticos ao muro que Israel ergue, neste momento, na Cisjordânia. A única diferença é que no Médio Oriente o muro é material, de um betão inolvidável. Em França, teremos um muro invisível e subtil. E que não pode ser derrubado sem que se derrube, mais cedo ou mais tarde, o próprio Estado que o ergueu. [...] Com o futuro virá, naturalmente, o alargamento do campo de segregação: escolas para muçulmanos, escolas para judeus, escolas para católicos, escolas públicas; hospitais para muçulmanos, hospitais para judeus, hospitais para católicos, hospitais públicos; cemitérios para muçulmanos, cemitérios para judeus, cemitérios para católicos, cemitérios públicos; bairros para muçulmanos, bairros para judeus, bairros para católicos, bairros para os restantes. Findo o processo, teremos uma sociedade plenamente guetizada: várias populações vivem contiguamente e em estanquecidade, inevitavelmente numa má relação de vizinhança, em que só uma tem a preferência da Lei e do Estado».
Serve este post para dizer, apenas, que em 2004 não deveria ter escrito estas palavras como uma projecção; mas sim como a descrição de um caldo que já fervilha desde há anos.
«Some of the problems of rapidly expanding education were those which were common to all countries at this stage of change and growth. The rapid increase in population meant that, even if the proportion of children of school age who were at school grew, the total number of children who were still not in school did not necessarily diminish. To accommodate as many as possible, schools were opened rapidly, classes were too large for effective teaching and most teachers were not well trained for their work. The results were seen at every level; in particular Arab education tended to be inadequate at secondary level, and students who went to university were on the whole not well trained for higher study. There was a tendency to concentrate on academic education which would lead to governmen service or liberal professions, rather than upon technical or vocational training; the use of the hands as well as the mind was alien to the concept of education in Islamic as in most other pre-modern cultures. The growth of the oil industry was making a diference, however [...]»
(HOURANI, Albert -- A History of the Arab Peoples. Londres: Faber and Faber, 2002 -- p. 390 e 391)
Este trecho descreve o tecido educacional do mundo árabe. Não é dificil ver nele um decalque da nossa realidade. Ora, como se dizer isso não bastasse para enegrecer o nosso horizonte, deverá ainda acrescentar-se ao diagnóstico:
1. Primus, que o texto se refere ao mundo árabe dos anos 40/50 do século passado (!); ao passo que poderia descrever o actual estado da lusa arte de educar. Ou seja, para este efeito, o Portugal de hoje é o mundo árabe de 1950!
2. Em segundo lugar, que cometeu o destino a torpeza de não termos petróleo.
Nem tudo é mau, porém; ficamos ao menos a saber o que somos: somos pré-modernos.
Há algo em H-D Thoureau que me fascina. Talvez seja a contemplação total. Como ele disse, «I love to be alone. I never found the companion that was so companionable as solitude». Há muito de verdade nisto. Como podemos estar com os outros -- se não conseguimos suportar um fugaz confronto com nós próprios? Como podemos ouvir os outros -- se receamos ouvir a nossa própria voz? Como podemos não temer os outros -- sem conhecer a nós próprios?
Enfim. Bom dia!
PS: Para responder à questão do Churchill, poderia sempre repetir a evidência de Bernard Shaw: «Democracy is a device that insures we shall be governed no better than we deserve». O que não é cinismo. É só outra forma de repetir o apelo de Kennedy.
É o que a Europa está a levar, desde há décadas, dos Estados Unidos no campo da educação. Escuso-me de recuperar as várias entradas que fui aqui postando ao longo do tempo. Escuso-me de voltar a questionar a bondade das «políticas educacionais do Estado» em voga na Europa.
Vejam antes este artigo do Economist desta semana (integrado numa colecção subordinada ao mesmo tema, composta por todos estes artigos), chamando a atenção para a evidência de que não só a Europa não recupera terreno para os EEUU, como corre ainda o risco de ser brevemente ultrapassada pela Ásia.
««Detidos mais dois presumíveis incendiários em Gouveia e Penamacor»».
Sublinhei «presumíveis». Eles presumem-se criminosos – até que provem a sua inocência, claro.
Jagoz | terça-feira, agosto 30, 2005 | |
terça-feira, agosto 02, 2005
Café matinal
Vejo por aí grandes discussões ideológicas. Não só entre a dita esquerda e a suposta direita: há já quem discuta quem verdadeiramente se pode gabar de ser um liberal quimicamente puro; quem é «antropologicamente» ou «sociologicamente» conservador e se isso é compatível com outras opções (de vida...); e por aí fora.
O pequeno problema das ideologias é que são invariavelmente refutadas pela realidade. Em Portugal, porém, acresce que as ideologias nem querem saber da realidade. Por cá, «a ideologia» (entre aspas) é um tema interessantíssimo para um debate puramente conceptual, assim como quem discute se o Rochemback deve jogar mais recuado como «trinco» ou se deve subir para actuar como «volante» direito.
Devo estar a ganhar a placidez do nosso amigo Jansenista.
O aspecto político verdadeiramente relevante nestas eleições presidenciais não consiste em saber se vence «A» ou «B». Eu diria mesmo que esse facto é indiferente. Porque tudo indicia que os candidatos venham a exercer os poderes presidenciais semelhantemente: de modo interventivo.
Assim, relevante é o facto de o próximo mandato presidencial se perfigurar, em qualquer dos casos, como o início de uma viragem do sistema político português: de semi-parlamentar (ou semi-presidencial), vai caminhar no sentido do presidencialismo. Isto é inegável e evidente. É ao que conduz a personalidade dos candidatos, o fervor que será dado à corrida eleitorial, as nossas circunstâncias nacionais e, claro, o teor literal da nossa Constituição.
É este o facto político relevante. É isto que vai figurar nos manuais de história, de direito e de ciência política.
Vejo muito actor e comentador político argumentar que escolher Cavaco Silva será uma escolha num Presidente que terá uma «concepção minimalista dos poderes presidenciais» e que, por isso, continuará o legado dos anteriores magistérios -- deixando mão solta ao Governo. Ou seja, que escolher Cavaco Silva será escolher um Presidente voluntariamente decorativo e que voluntariamente se inibe de intervir.
Que inocência; que candura. Onde terão deixado o bibe?..
Mario Soares será, tudo aponta, candidato a Presidente da República. Revelador é o facto de ter recebido mais depressa o apoio oficial do Bloco de Esquerda do que o do próprio partido. QED.
Ideias feitas - a propósito da relação ensino/riqueza
Não posso deixar de insistir na discussão do arquétipo instalado na sociedade portuguesa sobre a suposta relação causa/efeito entre educação e riqueza. Aqui deixo um contributo testemunhal (podia ser mais do que um).
S. tem perto de 80 anos. É natural da Ericeira e filho de pescadores. Foi, portanto, uma criança pobre. Note-se bem: pobre aqui ganha a verdadeira dimensão da palavra. Estamos a falar de um filho de pescadores em 1930.
S. não teve oportunidade de ir mais longe do que à 4.ª classe.
S. começou a trabalhar ainda cedo, enquanto criança.
S. embarcou, viajou, trabalhou.
S. veio para Portugal, investiu, criou riqueza somada à que já tinha.
S. tem hoje, por exemplo, vários prédios espalhados por Ericeira e Lisboa.
Todos os filhos de S. são licenciados.
Todos os netos de S. são licenciados ou estão a caminho da licenciatura.
Nenhum dos seus descendentes criou ou cria riqueza como S.
Resta dizer que a sociedade portuguesa nunca produziria um texto como o aqui abaixo publicado. Nem no século XVIII nem no século XXI. A Declaração de Independência é um dos mais poderosos textos da história da Humanidade. É um grito que tem como conteúdo e pressuposto um espírito colectivo indómito de mudança, de iniciativa, de responsabilidade, de partilha e de criação. É tomar o destino nas nossas mãos.
Não temos isso. E é o nosso atavismo que nos atira, irremediavelmente, para a nossa mediocridade e para a nossa pobreza. O português olha com assombro e horror para o acto de afirmar, de criar, de fazer. O português nunca se lembra -- é que não lhe passa mesmo pela cabeça -- que pode fazer alguma coisa por si.