A guerra dos duodécimos...
Em frente cossacos...
Mantive-me em silêncio perante os múltiplos comentários blogoesféricos (fundamentalmente o diálogo
Irreflexões /
O Acidental, os comentários do
Bloguítica, a pergunta do
Adufe, a opinião da
Grande Loja) quanto ao novo ano orçamental que se avizinha. Mas não estou disposto a continuar neste estado - porquanto poderá parecer que, como
Peter Schlemihl, vendi a sombra ao diabo! Sendo assim, teço alguns comentários, que espero futuros ecos:
1) Por um lado, não confundamos o Orçamento do Estado com a Conta Geral do Estado: enquanto que o primeiro tem que cumprir critérios formais e materiais de equilíbrio (repare-se que a contracção de créditos por parte do Estado não pode servir para cobrir despesas do próprio ano, mas sim défices de contas anteriores), já a Conta pode ser deficitária, dentro dos limites impostos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC);
2) Consequentemente, o défice de que se fala, correntemente, não pode ser nunca (salvo por razões conjunturais, nunca invocadas por qualquer Governo) orçamental, mas sim de contas;
3) Assim, e para cumprir o PEC, o Governo apresentou, na passada 5ª feira, uma proposta de alteração orçamental para permitir um aumento dos limites de endividamento líquido, para pagamento de dívidas (de anos anteriores) respeitantes, fundamentalmente, ao Serviço Nacional de Saúde - uma proposta de alteração orçamental, tendo em vista o aumento de despesa/receita, permitindo assim uma redução do défice de contas - porquanto a receita/despesa não poderia ser aumentada, sob pena de não estarem respeitados os velhos princípios da tipicidade qualitativa (quanto às receitas) e da tipicidade quantitativa (quanto às despesas);
4) Por outro lado, a prorrogação da vigência do orçamento (vulgo orçamento provisório) em nada representa a paralização da Administração (como muitos querem fazer crer), por várias razões:
a) Permite a cobrança de receitas;
b) Permite a realização de despesas, cumprindo o princípio da utilização por duodécimos das verbas fixadas nos mapas orçamentais que as especificam, de acordo com a classificação orgânica.
5) Por muito que se venha dizer que a não aprovação do orçamento iria paralizar muitas das medidas preconizadas pelo futuro cessante Governo, a minha opinião é totalmente contrária, porque:
a) É possível o Governo, em Decreto-Lei de Execução, indicar as dotações orçamentais em relação às quais não será aplicável o regime dos duodécimos, respeitando, assim, obrigações legais e contratuais (como sejam por exemplo, o aumento do vencimento dos funcionários públicos, para o qual o Governo tem utilizado, a meu ver indevidamente, montantes afectos à dotação provisional);
b) O Governo pode emitir dívida pública fundada, nos termos previstos na respectiva legislação;
c) O Governo pode conceder empréstimos e realizar outras operações activas de crédito;
d) O Governo pode conceder garantias pessoais.
6) Sendo assim, o Governo pode e deve continuar a agir, por forma a conformar o défice da Conta aos critérios do PEC, mesmo sem orçamento;
7) Finalmente, repare-se mesmo que as operações de receita e despesa executadas ao abrigo do respectivo regime transitório são imputadas às contas respeitantes ao novo ano económico iniciado em 1 de Janeiro (tendo o futuro orçamento de 2005 natureza retroactivo).
De facto, preferia que o orçamento apresentado para 2005 pelo Governo não fosse aprovado, porquanto acho que vai tornar difícil conjugar os efeitos fiscais, por exemplo em sede de IRS (a malfadada descida das taxas de alguns escalões do artigo 68.º do CIRS), pelo menos até ao final de 2006 - fundamentalmente, no pressuposto, que o novo Governo vai apresentar uma proposta de alteração orçamental, no momento imediatamente subsequente à sua posse...
Guilherme Oliveira Martins | sábado, dezembro 04, 2004 |
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