O Pacto de Estabilidade e Crescimento renovado: o que é preciso saber
Texto publicado no
Limiano às Fatias desta semana:
"Muito se fala sobre a recente reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) europeu e, consequentemente, da flexibilização dos critérios de convergência definidos em 1997, por iniciativa dos Estados membros França e Alemanha. Podemos resumir a reforma do PEC a três medidas-chave: (1) complementaridade das regras nacionais e comunitárias, (2) necessidade de definição de objectivos de médio prazo, inseridos no âmbito de reformas estruturais, e (3) possibilidade de manutenção temporária de défices excessivos. Vejamos cada uma delas.
(1) Quanto à complementaridade das normas orçamentais nacionais por referência aos compromissos assumidos no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento
O cumprimento do PEC, nos últimos anos, tem obrigado os Estados membros a adoptarem políticas rígidas de receita e de despesa. Veja-se, por exemplo, o que tem sucedido, nos últimos anos em Portugal, quanto à necessidade de redução de despesa, uma vez que o Sistema Europeu de Contas (SEC95) apenas exclui do apuramento do equilíbrio orçamental despesas relacionadas com a amortização de empréstimos (despesas não efectivas, que abrangem todos os gastos com activos e passivos financeiros). Assim, a falta de flexibilidade em matéria de despesa, não obstante ter permitido a aproximação económica dos Estados, limitou a possibilidade de usufruto do velho multiplicador de despesa pela comunidade, o que obviou a uma diminuição de rendimentos nacionais, ponderados os efeitos associados ao aumento do investimento privado. Ou seja, os Estados membros, dada a necessidade de cumprimento dos critérios definidos no PEC, têm diminuído a sua intervenção económica para além do desejável, porquanto esta redução tem contribuído para uma desaceleração do crescimento económico.
Assim, ficou definida a possibilidade de diálogo entre os Estados membros e os órgãos fiscalizadores da União, para uma maior compreensão dos critérios e elementos estatísticos disponíveis por cada uma das comunidade. Neste sentido, e dada a maior abertura do cumprimento dos critérios de convergência à discussão por cada um dos parlamentos nacionais, cada um dos Governos que tomar posse terá que apresentar um programa de estabilidade e de crescimento para a legislatura, que possa reflectir a tomada de opções políticas de despesa e de receitas próprias, que, apesar de se afastarem dos compromissos assumidos no âmbito do PEC, possam vir a demonstrar, no final dos períodos definidos, resultados no campo da convergência europeia assumida.
(2) Quanto à definição dos objectivos de médio prazo (OMP) próximos dos orçamentos equilibrados ou superavitários, inseridas no âmbito de reformas estruturais
Trata-se, assim, de fazer depender, doravante, o cumprimento dos compromissos do PEC da definição, por cada um dos Governos estaduais, de objectivos de médio prazo (OMP), podendo estes afastar-se mesmo dos orçamentos equilibrados ou superavitários (repare-se que nos últimos 30 anos o Estado português nunca apresentou um orçamento superavitário, apesar de em 1977 ter previsto esta possibilidade pela criação de um Fundo de Estabilização Conjuntural, que nunca passou da letra da lei, contudo).
Assume-se, a partir de agora, a heterogeneidade económica e orçamental dos 25 Estados membros. Desta forma, os OMP podem variar de Estado para Estado, dependendo estes OMP’s da conjuntura económica detectada por referência a indicadores objectivos, como sejam, o desemprego, a inflação, risco fiscal, sustentabilidade das finanças públicas e até mesmo mutações demográficas (ou climáticas, como alguns têm defendido mais recentemente).
De acordo com esta heterogeneidade, cada um dos Estados membros deverá cumprir os OMP, quanto mais não seja por referência ao ciclo económico apresentado. Aliás, a dita exigência no cumprimento dos OMP’s será orientada para os ciclo económicos (como sejam os expansivos ou os recessivos).
Para tal, serão consideradas as reformas estruturais propostas por e para cada um dos Estados membros. O próprio Conselho de Ministros das Finanças Europeus (ECOFIN) vai mais longe, circuncrevendo o conceito de reformas estruturais àquelas que tenham efeitos directos na poupança de custos no longo prazo ou que promovam a sustentabilidade das finanças públicas
(3) Sobre a possibilidade de manutenção excepcional e temporária de défices excessivos e de extensão do prazo para correcção dos mesmos
O artigo 104.º, n.º 3 do Tratado da União Europeia (futuro III-76.º, n.º 3 do Tratado Constitucional Europeu) prevê que “se um Estado-membro não cumprir os requisitos constantes de um ou de ambos os critérios (definidos no n.º 2), a Comissão preparará um relatório. O relatório da Comissão analisará igualmente se o défice orçamental excede as despesas públicas de investimento e tomará em consideração todos os outros factores pertinentes, incluindo a situação económica e orçamental de médio prazo desse Estado-membro”. Conclui agora o ECOFIN que o conceito factores pertinentes terá que ser clarificado, tendo em vista, por exemplo o cumprimento a Agenda de Lisboa ou até mesmo a implementação de políticas de incentivo à Investigação e Desenvolvimento.
Consequentemente, focaliza-se a necessidade de cumprimento do critério concernente à dívida pública (que não pode exceder 60% do Produto Interno Bruto), em nome da sustentabilidade de longo prazo das contas públicas. De facto, a correcção dos défices excessivos pode ser objecto de derrogação temporal, que, nos termos das conclusões do ECOFIN, pode ir até 6 meses, para além do prazo máximo de 1 ano permitido pelo PEC. Neste sentido, admite-se, fundamentadamente, a possibilidade de os Estados-membros “esquecerem”, em nome da sustentabilidade das contas públicas, a rigidez dos critérios traçados no âmbito do PEC.
Diz-se que a reforma recente do PEC representa a sua morte anunciada. Será verdade? Não partilhamos desta opinião. Pelo contrário, a recente reestruturação do PEC afirma a necessidade de uma verdadeira consolidação temporal das contas públicas, à margem da mera consolidação contabilística, que reflecte apenas o saldo global das Administrações Públicas. Abandona-se, assim, a mera lógica de caixa a que estávamos habituados, em nome da assunção de compromissos de médio e longo prazo – e para isso, vamos precisar de Governos com políticas económico-financeiras claras e transparentes..."
Guilherme Oliveira Martins | quinta-feira, março 31, 2005 |
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