Verdades fáceis - o regresso
Foi-nos comunicado ontem, pelas 20 horas, que as pensões iriam ser aumentadas entre 2,5 a 9 por cento, o IRS reduzido e os salários para a função pública aumentados. Acresceria ainda o aumento de 13,9% do investimento do Estado, segundo o PIDDAC, no Orçamento de 2005 (total de 6,679 milhões). Serão boas notícias? Aparentemente, são coisas boas, novidades é que não há nenhuma. Vejamos:
1. Em primeiro lugar, estamos a falar em previsões de despesas, tendo por base previsão de receitas arrecadadas pelo Estado - resta saber se estas estimativas se vão converter em realidade - repare-se que o orçamento ainda não foi apresentado;
2. Por outro lado, as estimativas de investimento apresentadas reportam-se a um mapa do orçamento - o mapa XV (PIDDAC) - de natureza derivada e plurianual. (1)
O mapa é derivado, porque contém valores indicativos e não vinculativos para o Executivo. Assim, o Governo, órgão que detém exclusivamente o poder de execução do orçamento, pode alterá-los em qualquer momento sem necessidade de consultar, inclusive, o Parlamento. (2) O
mapa contém uma programação plurianual das despesas, tendo em vista uma maior transparência financeira entre a actuação dos vários Governos sucessivos.
Analisemos os valores totais do mapa XV (PIDDAC) do Orçamento para 2004:
Mapa XV (PIDDAC)
Totais (em milhões de euros):
2004 - 5,861 [Financiamento Comunitário - 332 (Cap. 50) + 2,275 (Outras Fontes)]
2005 - 6,161 [Financiamento Comunitário - 194 (Cap. 50) + 1,982 (Outras Fontes)]
2006 - 4,688 [Financiamento Comunitário - 116 (Cap. 50) + 1,519 (Outras Fontes)]
Anos seguintes - 6,081 [Financiamento Comunitário - 20 (Cap. 50) + 1,110 (Outras Fontes)]
Por esta breve análise, só podemos concluir que o valor apresentado pelo nosso Primeiro-Ministro (6,679 milhões de euros), pouco ou nada se afasta dos 6,161 milhões de euros previstos no mapa plurianual do PIDDAC do ano passado para 2005. Aguardemos pela proposta de orçamento, porquanto até ao presente só temos grandes números.
Alerto ainda para o facto de quando falamos em 6 mil milhões de euros, este valor ser uma pequena fracção de um orçamento cujos valores estimados, por exemplo, para os serviços integrados rondam os 75 mil milhões de euros.
3. Quanto à descida do IRS, a mesma só é possível porque é contrabalançada pela redução dos benefícios fiscais e pelo aumento dos escalões de progressividade da taxas do IRS. Há uma parte da doutrina norte-americana que defende até mesmo que o sucesso da arrecadação das receitas fiscais depende em parte do desaparecimento dos benefícios fiscais. O resultado, ainda sem números concretos, pode ser bom e/ou mau. Bom porque se verificaria um alargamento da base tributária, mau porque o alargamento propiciaria a evasão fiscal, e, consequentemente a carga fiscal efectiva recair sobre a classe média.
4. Quanto ao cumprimento do limite do défice de 3% tudo depende do grau de execução do orçamento. Como já se disse, os valores apresentados correspondem a estimativas resultantes de mapas derivados, e como tal, não vinculativos para o Governo.
5.Quanto ao optimismo do crescimento, não compreendo como pode o actual Executivo lidar com valores que não pode manipular, como seja a conjuntura externa. Por fim, mesmo que se sustente que a economia pode crescer mais de 2%, em que medida a criação de emprego é real e idêntica?
Guilherme Oliveira Martins | terça-feira, outubro 12, 2004 |
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